quinta-feira, 19 de junho de 2008

O que um dia me ensinaram


Dreaming..


Algumas musicas sao especiais

we all bear the scars

yeah, we all feign a laugh

we all cry in the dark

get cut off before we start

and as your first act begins

you realise they're all waiting

for a fall, for a flaw, for the end

and there's a past stained with tears

could you talk to quiet my fears

could you pull me aside

just to acknowledge that i've tried

as your last breath begins

contently take it in

cause we all get it in the end

and as your last breath begins

you find your demon's your best friend

and we all get it in the end

Sorriso

Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir.
E sorrir (verbo intransitivo) é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos. Como se vê, está tudo errado.
Começa logo por chamar intransitivo ao verbo, o que, tal como aprendemos na escola, exprime uma acção que, praticada pelo sujeito, se aplica a ele próprio e não passa para outro objecto ou outrem, e é, portanto, intransmissível…
E quanto a dar por suficiente a contracção muscular, temos conversado.
(…)Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente o sentido das palavras e transformasse em fio de prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.
Não há dois sorrisos iguais.
(…) …temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (porque não?) o de quem morre.
(…) Mas nenhum deles é o Sorriso.
O Sorriso (este, com maiúscula) vem sempre de longe.
É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada a ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário.
Principia por um leve mover de rosto, às vezes, hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser.
Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se.
Mas não terá?
Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas?
Quando a luz do Sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu?
E contudo era um sorriso.
Mas eu falava de gente, de nós, que fazemos a aprendizagem do sorriso e dos sorrisos ao longo da vida própria e das alheias.
Nós que já corremos a gama toda dos sorrisos circunstanciais e a encaixámos numa só definição. E que, como é costume nestes casos, fizemos dessa definição a chave que não abre a porta que nos tapa o caminho.
Pois o Sorriso está por trás dessa porta, como um tesouro de que só conhecemos breves e agudas cintilações (…)A tudo isto é que eu chamo sabedoria.
Oponho à ironia o sorriso, este que é compreensão e serenidade, única arma contra o absurdo que vive paredes-meias connosco, couraça contra as agressões – estrada real que se quer desimpedida de miragens e alienações.
(…)Dir-me-ão que não cabe tanto no sorriso.
Eu digo que cabe.
Soube-o a noite passada, quando foi ele a única resposta para a insónia e para os monstros do pesadelo nascido no sono onde o corpo acabou por deslizar, cansado e aflito.
Sorrir assim, mesmo sem olhos que nos recebam, é o verbo mais transitivo de todas as gramáticas.
Pessoal e rigorosamente transmissível.
O ponto está em haver quem o conjugue.

José Saramago